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Sem selfies nem paparazzi
O POLEIRO permanece uma das melhores casas lisboetas de gastronomia tradicional portuguesa. Não é lugar de degustações nem de amuse-bouches: é lugar de comer à moda antiga comida como a de antigamente.
Hoje tenho menos gosto em viajar. O meu trabalho assenta numa rotina bastante fixa, que todos os outros pareceria entediante, e viajar desconcentra-me. Talvez por isso, depois de um périplo de uma semana ou duas por todo o tipo de gastronomia, cheia de reduções e espumas e amuse-bouches, apetece-me ir a um lugar onde não haja pratos complicados, nem degustações, nem sequer surpresas. Um dia destes voltei a entrar n'O Poleiro, onde já não me detinha há dois ou três anos e foi como voltar a casa.
"Ébom?", perguntou no dia seguinte o Pedro, sempre em busca de conselhos.
É bom, sim.E porquê? Balbuciei: "É bom...É muito bom, sei lá..." Ocorreu-me falar-lhe das salas pequeninas, da decoração rústica, do atendimento clássico. Fiz menção de descrever-lhe a tibornada de bacalhau, as pataniscas com arroz de feijão, o cabrito no forno à padeiro. Sim, O Poleiro também é bom por isso tudo: porque é íntimo, porque serve comida do país todo e porque a confeciona bem. E, no entanto, não chega. O Poleiro tem alma. E essa alma permanece lá, mesmo neste tempo em que, sendo os circunstantes de Entrecampos a fazer a sua vida diária, são os turistas a fazer a sua sobrevivência mensal. Talvez seja isso que vem levando alguns bons garfos de Lisboa a virar-lhe as costas, como se de "um lugar para turistas" se tratasse.
Mas creio que podemos estar descansados. O Poleiro permanece uma das melhores casas de gastronomia tradicional de Lisboa e se hoje abre tão abertos os braços ao visitante estrangeiro mais não faz do que sempre fez com todas a gente - desde o dia em que nasceu, há quase 30 anos.
Basta dizer que o primeiro subscritor do seu livro de honra é Maria Bethânia. Só depois vieram as estrelas de TV, os futebolistas, os políticos e todos os que constituem a sua fauna semanal, dispostos a trocar as selfies e os paparazzi pela matéria-prima perfeita e por aquelas sábias confeções à base de azeite e ervas aromáticas.
Desta vez, abri com uns maravilhosos peixinhos da horta, afundei-me num cabrito assado à padeiro servido em dose tão generosa que temi baquear e, como depois ainda cometi a loucura de me pôr a debicar dos pratos dos restantes convivas - feijocas no tacho à pastor, chanfana e ensopado de enguias -, tive de sair para fumar, beber uma aguardente velha e tornar a fumar antes de atacar o leite-creme. Há dias em que estamos brutos e não há nada a fazer. Às vezes são melhores.